O FINANCIAMENTO PÚBLICO ÀS ESCOLAS PRIVADAS*
Nicholas Davies
1-
Introdução
Pretendo
examinar alguns mecanismos de financiamento das escolas privadas, focalizando
sobretudo o emprego de recursos públicos diretos e indiretos para tal fim. Para
a sua compreensão, precisamos situá-los no contexto mais amplo da estrutura e
evolução do Estado brasileiro, das suas políticas mais gerais e da organização
e da política educacional. O Estado brasileiro, como todo Estado capitalista, é
estruturalmente privatista, pois sua constituição e funcionamento orientam-se
principalmente em defesa dos interesses econômicos, políticos e sociais mais
gerais e também freqüentemente até mais específicos (a fração do capital
financeiro, por exemplo) das classes dominantes. Isso não significa que o Estado
capitalista brasileiro seja apenas isso, até porque, em função da correlação
das lutas no interior das classes dominantes e/ou entre classes dominantes e
dominadas, e da necessidade de legitimação perante as classes dominadas, ele é
levado a fazer concessões e a conciliar interesses em disputa.
Dois outros elementos
tornam este privatismo ainda mais nefasto. Um, também estrutural e histórico, é
o patrimonialismo, que consiste nas atitudes e práticas dos detentores do poder
estatal tratar a coisa pública como propriedade pessoal, familiar, privada.
Outro, conjuntural, é a ofensiva neoliberal nos últimos 20 anos, sobretudo nos
anos 90, que busca submeter à lógica do mercado todos os setores estatais com
potencial mercantilizável e/ou que absorvam recursos públicos que, na
perspectiva neoliberal, devem ser canalizados para o pagamento das dívidas
públicas externa e interna e garantir os interesses estratégicos do capital,
atenuando suas turbulências (socorro aos bancos, por exemplo).
Exemplos desse privatismo
estão nas Constituições, nas leis (nas LDBs, por exemplo) e nos organismos
estatais, como o Conselho Federal de Educação (CFE), o atual Conselho Nacional
de Educação (CNE) e nos Conselhos Estaduais de Educação, cujo controle privado,
aliado tanto às políticas de não-aumento real do gasto nas escolas estatais,
quanto aos mecanismos diretos e indiretos de financiamento público às escolas
privadas, possibilitou a grande expansão do ensino privado, sobretudo das
instituições de ensino superior (IES) desde o final dos anos 60. O descaramento
dos privatistas chegou a ponto de, no controle do Conselho Estadual de Educação
de Minas Gerais, determinar, pela Resolução 20.382, de 9/1/80, que as escolas
públicas que pretendessem ampliar as séries finais do 1º Grau obtivessem
“aquiescência do representante legal da entidade mantenedora de escolas
particulares mais próximas, existentes na localidade, com ociosidade em turnos
diurnos.” (CUNHA, 1991, p. 356).
Outro exemplo é o Plano
Nacional de Educação (PNE) encaminhado como projeto de lei pelo MEC em 1998,
assim como a Lei do PNE sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em
janeiro de 2001, sem nenhuma preocupação com a qualidade, ao contrário do
alegado no discurso oficial e supostamente materializado no Provão, entre
outros instrumentos de avaliação (Sistema de Avaliação da Educação Básica -
SAEB, por exemplo).
O peso dos privatistas no
CNE e a farsa do discurso da qualidade são apontados inclusive por José
Giannotti, conselheiro do CNE e amigo de FHC, que renunciou ao cargo em 1997
alegando a influência indevida dos privatistas no CNE (“Último conselho”, O Globo, 29/8/97) e denunciando a “forte
lealdade da crosta dos representantes burocráticos e dos capitalistas da
educação”. A promiscuidade entre o estatal e o privado em educação é revelada
pela presença de burocratas da alta cúpula identificados com as empresas de
ensino, como o chefe de gabinete do ministro Paulo Renato, Edson Machado,
demitido por suspeita de favorecimento ao Instituto de Educação Superior de
Brasília, pertencente à sua mulher (JORNADA MÚLTIPLA, Veja, 23/5/01). Controlava todos os despachos e processos que Paulo
Renato precisava assinar e já tinha sido secretário de Ciência e Tecnologia,
secretário de Educação Superior e diretor-geral da Capes. Obviamente que ele
foi demitido não por esta suspeita, mas porque ela foi divulgada na grande
imprensa, e o governo precisou parecer se preocupar com questões “éticas”.
Para
o estudo dos mecanismos de financiamento das escolas privadas, uma dificuldade
é a escassez de bibliografia sobre o tema. No extenso levantamento
bibliográfico sobre financiamento da educação que realizamos em 1998, com cerca
de 1.500 referências, encontramos poucas sobre o assunto (DAVIES & LOBO,
1998). O CD com o catálogo de teses e dissertações da Anped (Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), de 1999, por sua vez,
registra, para o período de
Neste
texto entendemos por escolas privadas todas as que não são de propriedade do
Poder Estatal (federal, estadual, municipal): tanto as privadas com objetivos
declaradamente empresariais (lucrativos) quanto as confessionais, comunitárias
e filantrópicas, que alegam não ter fins lucrativos. Embora juridicamente
existam distinções entre elas, não formem um bloco homogêneo e se filiem a
tantas associações diferentes que reivindicam a sua representação - no caso do
ensino superior privado, temos, por exemplo, a ANUP (Associação Nacional de
Universidades Particulares), a ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras do
Ensino Superior), a ABRUC (Associação Brasileira de Universidades
Comunitárias), a ANACEU (Associação Nacional de Centros Universitários) -
consideramos todas elas privadas porque não pertencem ao Poder Estatal e geram
lucro, mesmo que este lucro não seja contabilizado como tal. Um exemplo dessa
diferença são as universidades comunitárias, que se definem como públicas
não-estatais e sem fins lucrativos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS UNIVERSIDADES
COMUNITÁRIAS, 1997), distorcendo, assim, a idéia de lucro (o montante da
receita superior à despesa), sem o qual tais comunitárias não sobreviveriam, a
não ser que recebessem doações vultosas de pessoas ou entidades filantrópicas
ou caridosas, o que não acontece, pelo menos na escala necessária à sua
manutenção.
A
distinção jurídica entre as privadas até hoje não parece suficientemente clara,
embora o art. 20 da LDB (Lei 9.394/96) as classifique em quatro categorias: I -
particulares em sentido estrito, entendidas como as instituídas e mantidas por
uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem
as características das comunitárias, confessionais e filantrópicas; II -
comunitárias, entendidas como as instituídas por grupos de pessoas físicas ou
por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de professores e
alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade;
III - confessionais, entendidas como as instituídas por grupos de pessoas
físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendam a orientação
confessional e ideológica específicas e ao disposto no inciso anterior; IV -
filantrópicas, na forma da lei. A frouxidão desta classificação parece bem
óbvia. Uma está na definição de “comunitárias”, que seriam aquelas com representantes
da “comunidade” na entidade mantenedora. Ora, “comunidade” é tudo e nada ao
mesmo tempo, não tendo nenhuma consistência social nem jurídica. A categoria
das confessionais, por sua vez, não tem fundamento jurídico nenhum, pois dão lucro como qualquer empresa privada,
embora ele seja maquiado de várias formas. Esta categoria específica das
confessionais (sobretudo da Igreja Católica) é interessante porque revela a
auto-imagem de santos que elas têm de si e que desejam projetar na sociedade.
As filantrópicas são as únicas com fundamento jurídico definido, conforme
veremos mais adiante, embora sem nenhuma legitimidade social ou moral, sendo,
por isso, conhecidas como “pilantrópicas”.
As
fontes públicas de financiamento das escolas privadas sempre foram e ainda são
muito importantes, ainda que nem sempre visíveis e facilmente mensuráveis.
Segundo Norberto Rauch, reitor da PUCRS, “A PUC-Rio, PUC-SP e a PUCRS [...] e
outras universidades privadas, durante as décadas de
A importância dos recursos
públicos é confirmada também por Tramontin e Braga (1988), que, em seu estudo
sobre as universidades comunitárias, informam que “durante toda a década de
Essa ajuda foi inclusive
respaldada em lei assinada por João Goulart, como é o caso da Lei Federal
4.026, de 20/12/61, prevendo a subvenção
de 10 milhões de cruzeiros a cada uma das seguintes universidades
“equiparadas”: Universidade Católica de
Pernambuco, PUC-RJ, PUC-SP, Universidade Católica de Campinas, Universidade
Mackenzie, de São Paulo, PUC-RS e a Univ. Católica de MG. Tramontin e Braga
(1988), no entanto, se contradizem ao afirmar que a ajuda teria se tornado
simbólica na década de 1980, pois informam que o Plano de Metas do governo
federal para 1986-1989 previa o financiamento público de até 30% do orçamento
de 20 universidades comunitárias (TRAMONTIN & BRAGA, 1988, p. 34).
2- As mensalidades
Antes
de examinarmos tais fontes diretas e indiretas, convém comentarmos brevemente o
mecanismo mais óbvio e que muitos pensam equivocadamente, como Jacques
SCHWARTZAM (1999), ser a única ou principal
fonte de sustentação das IES privadas, as mensalidades, cuja importância
proporcional não temos como avaliar, embora sejam a fonte mais visível de
financiamento. Dizemos isso porque as várias fontes diretas e sobretudo
indiretas (principalmente as isenções fiscais e previdenciárias) de recursos
públicos para as escolas privadas provavelmente somam hoje bilhões de reais por
ano e reduzem, indiretamente, as despesas delas, contribuindo significativamente
para a sua manutenção e expansão. Sem
tais fontes diretas e indiretas, as escolas privadas perderiam uma fatia
substancial de seu mercado, pois as mensalidades teriam que ser bem maiores
para cobrir os custos e/ou manter a alta taxa de lucratividade do setor.
A propósito das
mensalidades, a sua regulamentação pelo governo federal e a inadimplência têm
sido das principais queixas das escolas privadas, juntamente com o atraso do
crédito educativo (Creduc), vários requisitos do FIES (que substituiu o Creduc,
em 1999), as modificações dos critérios de classificação de entidades
filantrópicas para fins de isenção da contribuição patronal para a Previdência.
Entretanto, os empresários
de ensino não parecem querer se lembrar de que a inadimplência provavelmente se
deva a aumentos de mensalidades muito superiores à inflação. Com base no Índice
de Preços ao Consumidor da Fundação Getúlio Vargas, as mensalidades teriam
subido em média 170% desde o início do Plano Real (julho de 1994) até 1999,
muito acima da inflação de 97,39% medida no mesmo período, tendo as
mensalidades das IES crescido mais do que a média, atingindo 177,79% (“Escola
sobe mais que a inflação”, O Globo,
3/12/99). É bem provável que os ganhos das IES privadas tenham sido até maiores
porque a remuneração dos professores não deve ter acompanhado a inflação e o
aumento das mensalidades, como aconteceu em outros períodos. Segundo Velloso
(1989, p. 91-92), “entre o segundo semestre de 1979 e o segundo semestre de
1985, as semestralidades do ensino privado cresceram mais do que o dobro dos reajustes dos salários dos professores”
(grifo no original).
De qualquer maneira, se a
inadimplência fosse realmente um problema tão sério, o número de vagas nas IES
privadas não teria crescido tanto neste período. Segundo documento divulgado
pelo MEC em sua página na Internet no início de 2002 (BRASIL. MEC, 2002), as
matrículas no ensino superior privado teriam crescido 86% de
Por último, é sabido que
os empresários de todos os setores embutem nos preços finais de seus produtos e
serviços um percentual de inadimplência, e os do ensino não fogem a essa regra,
e portanto as mensalidades dos pagantes já estão cobrindo, se não totalmente,
pelo menos em grande parte, as mensalidades não-pagas. Assim, mesmo que
conjunturalmente a inadimplência tenha se elevado acima da média histórica, os
eventuais “prejuízos” provavelmente foram mais do que compensados por aumentos
das mensalidades superiores à inflação do período e/ou pela grande expansão das
matrículas, cujo custo adicional tende a ser menor do que o das matrículas
existentes antes, sobretudo se a capacidade instalada (recursos
administrativos, materiais, físicos e humanos) encontrava-se ociosa. Vale
lembrar que, mesmo que a inadimplência tenha sido superior à média histórica, o
seu impacto não foi o mesmo sobre as escolas privadas, pois elas formam um
conjunto bastante heterogêneo: umas são de grande porte, bastante capitalizadas
e gerenciadas segundo técnicas de empresas modernas, mas outras são pequenas,
pouco capitalizadas e com administração fortemente familiar.
3- As fontes
indiretas de recursos públicos para as IES privadas
3.1-
Isenções tributárias
Comecemos pelas fontes
indiretas (isenções fiscais e previdenciárias), a nosso ver mais importantes
que as diretas (subsídios, bolsas, subvenções, empréstimos, crédito educativo,
FIES). Mais importantes pelo seu volume e também porque, não sendo tão
visíveis, encobrem uma forma de privatização que raramente tem merecido a
atenção dos educadores comprometidos com a defesa da exclusividade das verbas
públicas para escolas públicas.
As isenções fiscais e
previdenciárias foram e são a principal fonte indireta há várias décadas,
previstas (as de impostos) inclusive nas Constituições Federais (CF) desde
1934. Examinemos primeiramente as isenções fiscais e, depois, as
previdenciárias (concedidas apenas às filantrópicas). Sobre as isenções
fiscais, o art. 154 da CF de 1934 estipulava, por exemplo, que “Os
estabelecimentos particulares de educação gratuita primária ou profissional,
oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo” (BRASIL,
1986) O privilégio concedido aos estabelecimentos de educação primária ou
profissional foi ampliado nas CFs de 1946, 1967 e 1988 para as instituições de
educação de todos os níveis de ensino. O art. 31 (inciso V, alínea b) da CF de
1946 proibia União, Estados, Distrito Federal e Municípios de lançarem impostos
sobre “templos de qualquer culto, bens e serviços de Partidos Políticos,
instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas
fossem aplicados integralmente no País para os respectivos fins” (BRASIL, 1986),
proibição mantida no Art. 20 (inciso III, alínea c) da CF de 1967, que vedava
imposto sobre “o patrimônio, a renda ou os serviços de Partidos Políticos e de
instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos
fixados em lei.” (BRASIL, 1986) A isenção continuou na CF de 1988, cujo Art.
150 (inciso III, alínea c) impede a cobrança de imposto sobre “patrimônio,
renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das
entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.” (BRASIL,
1988). O único acréscimo significativo na CF de 1988, não constante de nenhuma
CF anterior, foi o de que as instituições de educação não tivessem fins
lucrativos. Esta exigência, no entanto, precisa ser tratada com muita cautela,
pois as instituições que se autodenominam e são classificadas legalmente como
sem fins lucrativos ocultavam e ocultam seus lucros sob várias formas. Conforme
mostra Velloso (1988), os lucros eram (e são) encobertos pelas rubricas de
‘contribuição a entidades mantenedoras’, que, por isso mesmo, acabavam e acabam
sendo entidades mantidas, mesmo que tenham dado origem ao negócio. Enquanto nas
escolas confessionais os lucros eram (e são) lançados como contribuição à ordem
provincial, nas escolas privadas e
não-confessionais os lucros eram repassados como despesas às mantenedoras, que
os utilizavam para pagar altíssimos salários a seus proprietários, ampliação
das instalações, aquisição de imóveis, aviões, e em “fartos gastos em lobby junto ao Poder Público” (VELLOSO,
1988, p. 15). Uma segunda vantagem adicional poderia ser obtida pelos donos de
IES privadas leigas quando desejassem vendê-las, pois o seu valor de mercado
teria sido aumentado com o investimento feito com recursos oriundos das
isenções fiscais.
É verdade que a CF de 1988
rompia com a tradição ao permitir a existência de escolas privadas com fins
lucrativos, o que, se foi uma conquista para os defensores da visão empresarial
da educação, não significou necessariamente que elas tenham assumido, em seus
estatutos, esse objetivo. Até porque se declarassem ter fins lucrativos,
passariam a arcar com despesas volumosas que não tinham antes, como o pagamento
de impostos e a contribuição previdenciária. Como uma das reações mais fortes
das escolas privadas nos anos 90 foi contra as restrições à filantropia e a
imunidades tributárias, parece pouco provável que tenham alterado seus
estatutos para assumir o que de fato são, instituições com fins lucrativos, até
porque sem o lucro não têm como se manter e se expandir ou financiar atividades
outras como as ligadas às ordens religiosas.
A imunidade tributária do
conjunto das instituições educacionais começou antes da própria CF de 1946,
através do Decreto-Lei 5.844, de 23/9/43, que também permitia o abatimento de
contribuições e doações a entidades filantrópicas para cálculo do imposto de
renda devido. Essa imunidade e a possibilidade desses abatimentos continuaram
em muitas leis e decretos até hoje, com pequenas alterações e restrições. Como
exemplos temos a Lei 3.193, de
Além destes privilégios
fiscais, as instituições educacionais foram beneficiadas com isenções em vários
dispositivos legais nas últimas décadas, alguns dos quais são listados a
seguir:
a) Lei 4.917, de 17/12/65
- Isentou impostos de importação e de consumo e de outras contribuições fiscais
sobre alimentos e outras utilidades adquiridas no exterior, mediante doação,
pelas entidades de assistência social.
b) Lei 5.127, de 29/9/66 -
Isentou instituições filantrópicas da contribuição de 1% de que trata o art. 22
da Lei 4.380, de 21/8/64, que criou o Banco Nacional da Habitação.
c) Decreto-Lei 194, de
24/2/67 - Dispensou entidades sociais do depósito bancário do FGTS.
d) Decreto-Lei 999, de
21/10/69 - Dispensou instituições de caridade da Taxa Rodoviária Única. O
decreto 68.296, de 26/2/71, acrescentou as exigências de que fossem
reconhecidas como de utilidade pública e comprovassem não exercer atividades
lucrativas.
e) Decreto-Lei 91.030, de
5/3/85 - Isentou instituições educacionais e de assistência social de taxas de
importação.
f) Lei 8.032, de12/4/90 -
Isentou impostos de importação de instituições de educação.
É possível também que as
filantrópicas educacionais tenham sido isentas da Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF), instituída pela Lei 9.311, de 24/10/96, pois,
num desvirtuamento do conceito de assistência social definido na Constituição
Federal de 1988, têm sido englobadas na categoria de entidades beneficentes de
assistência social, que são isentas da CPMF.
Embora
as entidades educacionais fossem obrigadas a cumprir vários requisitos para
usufruir a isenção, como a de não remunerar seus dirigentes, o descumprimento
parece ter sido bastante comum, conforme noticiado recentemente pelos meios de
comunicação, provocando, em 1997, uma devassa pela Receita Federal, que
constatou sonegação de impostos, distribuição de lucros, "caixas
dois" e distribuição disfarçada de bens. Tais irregularidades (na verdade,
mais provavelmente a necessidade de aumentar a receita para financiar o “ajuste
fiscal”) teriam levado o governo federal, em 1998, através do Ministério da
Justiça, a rever os títulos de utilidade pública que permitem essa isenção. A
estimativa era de que 30% das 7,1 mil instituições teriam os títulos cassados
por não servirem “desinteressadamente à coletividade”, como manda a Lei 91, de
28/8/35, que criou o conceito de utilidade pública. (“Utilidade pública, lucro
particular”, O Globo, 6/12/98, p. 3)
Três anos depois, em 2/12/2001, a Folha
de São Paulo publicou, sob o título “Filantropia paga avião e BMW” (SOUZA,
2001a, matéria sobre a apuração de irregularidades pela Receita nas
filantrópicas, que já teriam recebido autuações de R$ 420 milhões.
A ofensiva da Receita
Federal se materializou também
Por isso, ainda hoje as
instituições educacionais que declarem não ter fins lucrativos e possuam o
título de utilidade pública continuam a gozar de isenções de todos os impostos
federais, estaduais e municipais, o que provavelmente significa uma receita
indireta de algumas centenas de milhões (talvez alguns bilhões) de reais por
ano.
Por fim, cabe ressaltar o
mecanismo que permite abater gastos com instrução do imposto de renda devido,
que, embora não contribua para o financiamento das escolas privadas, constitui
um incentivo importante para o gasto nelas, além de uma redução na arrecadação
dos governos. Se todos os estudantes das escolas superiores privadas (1,8
milhão em 2000) tiverem abatido os R$ 1.700 permitidos legalmente em tais
gastos, o abatimento totalizará R$ 3,060 bilhões. Como o abatimento resulta na
diminuição de 15% do imposto devido, isso significa uma perda superior a R$ 450
milhões para a Receita Federal.
Outra fonte indireta tem
sido a isenção da contribuição previdenciária obtida pelas escolas privadas detentoras do
certificado de entidades de fins filantrópicos, concedido pelo Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS), órgão do Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS). Com ele, elas deixavam (e ainda deixam, por conta da liminar
concedida pelo STF, em 14/7/99, à Ação Direta de Inconstitucionalidade 2028-5
das restrições à isenção contidas na Lei 9.732, de 1998) de recolher 20% da
cota patronal sobre a folha de pagamento devida ao INSS, que, acrescida aos
anexos e Cofins, totalizavam uma “economia” de até 30% da folha de pagamento
das IES, segundo Pedro Ferreira, vice-reitor da PUC-RJ (FERREIRA, 1999). O
volume bilionário envolvido nessa isenção explica porque as filantrópicas se
mobilizaram tanto contra as restrições à isenção contidas na MP (medida
provisória) 1729, de 3/12/98, que se converteu na Lei 9.732, em 11/12/98. Foi
tamanha a mobilização que o jornal O
Globo, do Rio de Janeiro, dedicou várias páginas inteiras ao assunto em
dezembro de 1998 por ocasião da discussão e aprovação do projeto de conversão
da MP 1729 em lei no Congresso Nacional. Vários números dos informativos da
ABMES e da ABRUC também deram destaque a essa questão.
Muitas matérias publicadas
Vale frisar que tais restrições
impostas pelo governo não significaram nem significam oposição à participação
ou avanço do setor privado no ensino superior ou às práticas “pilantrópicas”
das escolas privadas, mas apenas a tentativa de aumentar a arrecadação para
fazer o “ajuste fiscal”. O líder do governo no Senado na época da votação da MP
1729, José Roberto Arruda, por exemplo, sintetizou muito bem o objetivo do
governo ao declarar que “não há ajuste fiscal sem acabar com a pilantropia” (O Globo, 30/11/98). Obviamente que o
combate à “pilantropia” foi apenas pretexto para aumentar a arrecadação, pois
as “pilantrópicas” existem há muito tempo e tem fortes apoios dentro dos
governos e do Estado, além de financiar muitas campanhas eleitorais. O combate
foi justificado com base em argumentos e em denúncias, fartamente divulgadas na
imprensa, de que muitas filantrópicas não praticavam nenhuma filantropia, sendo
o dinheiro economizado com a isenção de impostos e contribuições sociais usado
por muitas filantrópicas para toda sorte de irregularidades, como multiplicação
de patrimônio pessoal ou “pagar despesas pessoais de seus diretores e conceder
vantagens a sócios e empregados” (O Globo,
“Plástica e avião às custas de isenção fiscal”, 6/12/98). Por serem tantas e
tão comuns as fraudes, o jornal conservador O
Globo defendeu a ação do governo federal contra as falsas entidades
filantrópicas, o que significava que aceitava o privilégio de isenção às
“verdadeiras filantrópicas”. Esta distinção e, portanto, posição em relação à
MP 1.729 também eram encontradas em políticos tanto do governo quanto da
oposição. No Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo, enquanto o deputado
federal José Genoíno e o Senador José Eduardo Dutra eram favoráveis à MP, com
base no argumento de que existiria mais pilantropia do que filantropia, o
deputado federal Eduardo Jorge criticava o governo por não separar uma
“faculdade picareta de uma PUC” e via a MP apenas como a tentativa do “Malan
querer mais dinheiro” (O Globo,
7/12/98). O núcleo de educação da bancada do PT demonstrou bastante
sensibilidade com a situação das filantrópicas, pois iria “propor modificações
na legislação a fim de garantir que, para efeito da isenção da contribuição
previdenciária, fosse também considerado o valor das bolsas de estudo
concedidas de forma parcial a estudantes carentes” (ABRUC, 1999, p. 4).
Antes
de examinarmos as alterações introduzidas pela Lei 9.732/98, convém fazermos
uma breve retrospectiva da legislação sobre a isenção da cota patronal. Criada
pela Lei 3.577, de 4/7/59, que introduziu a figura do certificado de fins
filantrópicos, a isenção foi revogada no Governo Geisel, pelo Decreto 1.572, de 1977, o qual, no entanto, mantinha
os certificados já concedidos e, portanto, o privilégio da isenção. A
generosidade oficial com as filantrópicas se manifestou também através da
anistia de dívidas previdenciárias anteriores à Lei 3.577 (Lei 3.933, de
4/8/61) e de sua liquidação mediante serviços por elas prestados ao INSS (Lei
7.577, de 23/12/86, e Decreto 94.180, de 3/4/87). A possibilidade de obtenção
do privilégio só foi reaberta pela Lei 8.212, de 24/7/91, cujo art. 55 exigia
que as entidades (i) fossem reconhecidas como de utilidade pública federal e
estadual ou do Distrito Federal ou municipal, (ii) fossem portadoras do Certificado
ou do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo CNAS, (iii)
promovessem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de
saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes, (iv) não
percebessem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores
remuneração e não usufruíssem vantagens ou benefícios a qualquer título, (v)
aplicassem integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e
desenvolvimento de seus objetivos institucionais. É essa reabertura que explica
o grande crescimento do conjunto das filantrópicas (não só as educacionais) nos
anos 1990, que passaram de cerca de 3.000, em 1993 (quando o Conselho Nacional
de Serviço Social foi extinto), para 6.555, em 2000 (MESTRINER, 2001, p. 263).
Contrário à inclusão de serviços educacionais na categoria de assistência
social, contida na Lei 8.212 e, portanto, da legalidade da concessão do
certificado de filantropia a instituições educacionais, Celso Barroso Leite,
especialista
Dois outros atos
legislativos nos anos 90, no entanto, impuseram condições para a isenção. Os
Decretos 752, de 1993, e 2.536, de 5/4/98, exigiam a destinação de 20% da
receita bruta das filantrópicas para gratuidades, porém o mais provável é que
isso foi facilmente contornado mediante a classificação, como gratuidades, dos
descontos concedidos nas mensalidades, constituindo os “bolsistas parciais”. A
importância dessas bolsas “parciais” pode ser aquilatada pelo balanço da Sociedade Educacional São Paulo Apóstolo
(UniverCidade), do Rio de Janeiro, cuja receita operacional em 1997 teria sido
de R$ 46 milhões, dos quais R$ 14 milhões em “bolsas”. (O Globo, 24/3/98).
O governo reconhecia a
própria dificuldade de se enfrentar esse artifício das filantrópicas. Segundo a
matéria “Preço alto e filantropia desconhecida” (O Globo, p. 3, 1/12/98), para uma escola receber o certificado de
filantropia, não precisava distribuir a cota de 20% da receita bruta em bolsas
de estudo integrais para alunos pobres, pois, com o Decreto 2.536, poderia
“simplesmente dar descontos parciais na mensalidade para alguns alunos e assim
se enquadrar na legislação. Como o preço das mensalidades está liberado, fica
difícil ao governo avaliar o grau de filantropia praticado pela escola. Nenhum
órgão governamental, por exemplo, pode contestar a planilha de custos
apresentada por um colégio e dizer se a mensalidade cobrada regularmente é a
correta.” Em 22 de maio de 1999, na
matéria intitulada “Governo cassa isenção de 51 entidades de ensino”, O Globo noticiava que o ministro da
Previdência, Waldeck Ornelas, acusava as entidades de não oferecerem vagas gratuitas
correspondentes a 20% da receita, contabilizando como gratuidade descontos
parciais sobre a mensalidade dados a alunos não carentes, que, em muitos casos,
eram filhos de funcionários e de professores. Manobras desse tipo e outras
foram denunciadas em várias matérias da Folha
de São Paulo veiculadas em novembro e dezembro de 2001. Em 25 de novembro,
Josias de Souza relatou o caso da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), da
cidade de São Paulo, com faturamento anual de R$ 80 milhões e classificada como
filantrópica, que, pelo Decreto 2.536, teria que destinar pelo menos 20% de sua
receita em gratuidades a alunos carentes (definidos legalmente como os de R$
300 de renda familiar mensal), mas o INSS constatou que ela tem aplicado apenas
1,16% da receita nessas gratuidades. Para simular o cumprimento da lei, a Faap
teria concedido bolsas a funcionários e seus parentes, além de um desconto
generalizado a todos os estudantes, mesmo “os mais endinheirados”. Mesmo assim,
com superávit financeiro de R$ 18 milhões em 2000 e aplicações em ouro e fundos
de investimento, a Faap conseguiu renovar o seu título de filantrópica junto ao
CNAS, embora a auditoria do INSS tivesse recomendado a cassação com base numa
série de irregularidades, como o pagamento de remuneração a seus dirigentes.
A
polêmica da Lei 9.732 - que alterou dispositivos da Lei 8.212 e 8.213, de
24/7/91, e da Lei 9.317, de 5/12/96 - girou em torno do Art. 4°, que prevê a
isenção das contribuições previdenciárias patronais “na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a
carentes, e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial”, desde que
as instituições filantrópicas satisfizessem os requisitos referidos nos incisos
I, II, IV e V do art. 55 da Lei 8.212. Esta formulação suscitou interpretações
divergentes entre, de um lado, o governo, e, de outro, os defensores das filantrópicas. Segundo a
matéria “Escolas levantam dúvidas sobre texto da MP” (O Globo, 11/12/98), para o governo ela significa isenção
proporcional ao percentual de alunos atendidos com bolsas integrais. Uma escola
com mil alunos e bolsas integrais a 100 estudantes teria desconto de 10% nos
20% de contribuição devida sobre a folha de salários e pagaria 18%. Mas
os parlamentares da “bancada da educação” (as filantrópicas), com o aval do
senador Jáder Barbalho (relator do projeto de conversão da MP 1729),
consideraram que as escolas poderão abater o valor bruto das bolsas integrais:
se um colégio concede R$ 200 mil em bolsas e deve R$ 500 mil de contribuição patronal,
pagará R$ 300 mil. Por causa dessa divergência de interpretações, a “bancada da
educação” iria pedir a anulação da votação, que, se foi pedida, não resultou em
anulação.
O
Decreto Federal 3.039, de 28/4/99, que, entre outras providências, procurou
regulamentar as modificações introduzidas pela Lei 9.732, estabeleceu dois
tipos de isenção previdenciária para filantrópicas: a total se destina àquelas
que ofereçam exclusivamente vagas gratuitas a carentes (definidos como aqueles
com renda familiar mensal de até R$ 260); a proporcional é para aquelas que,
mesmo não sendo gratuitas, ofereçam vagas integralmente gratuitas a carentes
(definidos como aqueles com renda familiar mensal de até R$ 300), o que
significa que bolsas parciais não poderiam ser contabilizadas para fins de
isenção parcial da cota previdenciária. O problema da isenção proporcional é
que a sua formulação legal não parece muito clara, pois corresponderia ao
“percentual resultante da relação existente entre o valor efetivo das vagas
cedidas, integral e gratuitamente, e a receita bruta mensal proveniente da
venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, acrescida da
receita decorrente de doações particulares, a ser aplicado sobre o total das
contribuições sociais devidas.” (Art. 30, § 1º).
As
filantrópicas não tardaram a reagir às alterações contidas na MP e na Lei
9.732, alegando que a redução da isenção previdenciária significaria o fim de
bolsas de estudo e de atividades sociais oferecidas pelas filantrópicas e
aumento de mensalidades. Segundo o reitor da PUC-SP e presidente da Associação
das Universidades Comunitárias, Antonio Carlos Ronca, “O pagamento de
contribuições, caso a instituição deixe de ser considerada entidade
filantrópica, representaria uma despesa extra de cerca de R$ 24 milhões. A
saída para se adequar à nova realidade seria acabar com as bolsas de estudo e
com programas sociais.” (O Globo,
30/11/98). Na mesma matéria, Gilberto Oliveira Castro, reitor da Universidade
Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, filantrópica mas não comunitária, previu
também aumento de mensalidades e diminuição do número de oferta de vagas nas
universidades.
O mais provável, no
entanto, é que tenha acontecido o aumento das mensalidades, porém não a
diminuição das vagas nas IES privadas, cujas matrículas cresceram em ritmo
veloz no governo FHC, conforme o documento do MEC mencionado acima. A ABMES,
embora reconheça que a filantropia era um “grande guarda-chuva para muitas
faculdades e hospitais que conseguiram o referido diploma por tráfico de
influência ou outros métodos eticamente duvidosos”, critica o governo por
preferir “a política da terra arrasada, eliminando toda e qualquer isenção
patronal para todos, santos e pecadores” (ABMES
Notícias No. 58, maio/junho 99) e cita artigo de Luciano Mendes de Almeida,
da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), publicado na Folha de São Paulo em 22 de maio de
1999, condenando a “profunda perversão social” da Lei ao excluir alunos pobres
das faculdades. Em novembro de
Nem
todas as privadas reagiram negativamente à restrição das isenções às
filantrópicas. Pedro Guimarães Ferreira, vice-reitor da PUC-RJ, em artigo
publicado
No
seu contra-ataque, as escolas privadas, em particular as comunitárias,
conseguiram sensibilizar pelo menos uma
parte de seu estudantado para tentar anular as modificações introduzidas pela
Lei 9.732/98. Por exemplo, o presidente
do Conselho dos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) das universidades
comunitárias do Rio Grande do Sul, Aliam Giovani Stefanello, saiu em defesa da
isenção da cota patronal previdenciária das filantrópicas alegando que “Com a
perda das isenções que gozavam as universidades filantrópicas, o aluno, mais
uma vez, acabou sendo prejudicado. Devido a esse acréscimo de despesas, a
maioria das instituições de ensino superior acabaram repassando esses custos,
ou parte deles, para os estudantes.” (Jornal
das Comunitárias, n. 8, abril/maio de 99) O n. 7 do mesmo jornal (fev./mar.
99) noticia a ida de caravana de estudantes de universidades comunitárias a
Brasília para protestar contra as restrições impostas pela Lei 9.732/98.
As reações das filantrópicas surtiram
efeito, pois conseguiram sustar as restrições contidas na Lei 9.732 através de
liminar concedida, em 14/7/99, pelo Supremo Tribunal Federal à ADIN (Ação
Direta de Inconstitucionalidade) 2028-5 impetrada pela Confederação Nacional de
Saúde, Hospitais e Serviços, que beneficiou todas as filantrópicas, as quais,
para continuar gozando da isenção previdenciária, não precisariam conceder
bolsas de estudos integrais no montante correspondente à isenção. A situação
real atual não parece muito clara, pois a concessão da liminar significou a
suspensão das restrições à isenção, porém as filantrópicas, pelo menos as
universidades comunitárias reunidas na ABRUC, mesmo após a liminar, continuavam
culpando tais restrições pela diminuição das bolsas de estudo oferecidas. Na
matéria “Alterações no programa não encerram discussões” (Jornal das Comunitárias, No. 10, set/out. 99), o presidente da
ABRUC, Antonio Ronca, lamentava que o “fim da isenção da filantropia resultou
na drástica redução das bolsas de estudo oferecidas”. Terão sido as restrições
contidas na Lei 9.732 mais um pretexto para a diminuição de tais bolsas e/ou
aumento de mensalidades?
Em vista da reação das
filantrópicas e da sua mobilização junto aos políticos governistas e
oposicionistas, o governo procurou uma solução conciliatória através da MP 1.827,
de 27/5/99, criando o novo crédito educativo, o FIES, no mesmo mês em que as
filantrópicas começariam a ter de cumprir as novas restrições da Lei 9.732.
Este propósito conciliatório fica evidente no financiamento do programa, constituído
de títulos da dívida pública emitidos pelo Tesouro Nacional que as IES privadas
utilizariam para pagar as suas dívidas previdenciárias passadas e futuras. Em
outras palavras, elas não receberiam dinheiro vivo mas apenas papéis para
saldar tais dívidas. Outro elemento conciliatório da MP é o que permitia,
excepcionalmente em 1999, o financiamento a estudantes “comprovadamente
carentes que tenham deixado de beneficiar-se de bolsas de estudos integrais ou
parciais concedidas pelas instituições referidas do art. 4º da Lei 9.732, de
11/12/98, em valor correspondente à bolsa anteriormente recebida.” Além disso,
em conseqüência do êxito das
filantrópicas em suspender por ADIN as restrições contidas na Lei 9.732, o governo
incluiu na Lei do FIES, a 10.260, de 12/7/01, um artigo (não incluído na MP
original) que obrigava as filantrópicas a aplicar o montante equivalente à
isenção em “bolsas de estudos, no percentual igual ou superior a 50% dos
encargos educacionais cobrados pelas instituições de ensino, a alunos
comprovadamente carentes e regularmente matriculados”. Este artigo também foi
alvo de Ação de Inconstitucionalidade, de No. 2545-7, pela Confenen
(Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino) junto ao STF, que
concedeu liminar, em 1/2/02, suspendendo-o com o argumento de que ele “ao
trocar a imunidade previdenciária pela obrigação de investir em bolsas de
estudo, acabou excluindo um benefício concedido às entidades em razão de seu
caráter assistencial”, segundo a relatora, ministra Ellen Gracie Northfleet
(“STF desobriga filantrópicas a concederem bolsas de estudo”, O Globo, 2/2/02).
Apesar dessas ações jurídicas bem
sucedidas das filantrópicas, muitas
tiveram o seu certificado cassado, porém não sabemos se e quando
passaram ou passarão a pagar a contribuição patronal integral. O Globo noticiou que “cerca de 300 entidades filantrópicas que
tiveram seus títulos cassados pelo CNAS no ano passado [em 2000] mantêm uma
isenção mensal estimada em R$ 250 milhões. Essas entidades recorreram ao
conselho para reaver o título e os processos podem demorar anos: elas têm o
direito ainda de recorrer ao ministro da Previdência e, finalmente, à Justiça,
onde a tramitação é lenta. Enquanto não sai a sentença final, a isenção é
mantida. Com isso, o governo deixa de recolher cerca de R$ 3 bilhões por ano”
(“A farra dos recursos de entidades filantrópicas”, 15/4/01). O problema não se
reduz apenas à morosidade deste processo, pois as filantrópicas parecem contar
com amigos poderosos dentro do Ministério da Previdência e do CNAS, segundo
denúncia de fiscais do INSS publicada na Folha
de São Paulo em 18/11/01 e
Apesar das cassações, em 8
de fevereiro de
Diante de tudo isso, parece razoável
concluir que a mudança legislativa teve efeito prático limitadíssimo na
supressão do privilégio de isenção previdenciária e, portanto, as filantrópicas
continuam a gozar deste financiamento público indireto para o seu funcionamento
e expansão. Esta isenção significou e significa também o financiamento público
à previdência/aposentadoria de empregados das filantrópicas, tendo em vista que
eles recolhem a sua contribuição (correspondente a 1/3) mas não as
filantrópicas onde trabalham, cuja cota equivaleria a 2/3 do financiamento
devido, como acontece nas demais empresas que cumprem a lei. Em outras
palavras, o buraco deixado pelo não-recolhimento da cota patronal das
filantrópicas será financiado pelo conjunto dos contribuintes privados
(empregados e empregadores - na verdade, apenas pelos empregados, uma vez que
os empregadores repassam tais custos para os preços dos produtos e serviços) à
previdência/aposentadoria dos empregados das filantrópicas. Temos, assim, mais
um exemplo da clássica socialização do prejuízo e privatização do lucro.
3.3 -
Isenção do salário-educação
Uma outra fonte indireta
tem sido a isenção do salário-educação para todas as instituições de ensino
privadas desde 1964, quando ele foi criado pela Lei 4.440. Tal isenção
continuou para todas elas até recentemente, quando em agosto de
4- FONTES
DIRETAS: subsídios, bolsas, subvenções, empréstimos, crédito educativo, FIES
Não
contentes com as vultosas fontes indiretas de recursos públicos para o seu
financiamento, as privadas procuraram e conseguiram obter fontes públicas
diretas. Comecemos por um breve exame das Constituições Federais e leis
ordinárias. A Constituição de 1937, do Estado Novo, permitia subsídios públicos
a indivíduos ou associações particulares e profissionais que oferecessem o
“ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas”
(Art. 129). A de 1967 (Art. 168, parágrafo 2º) prometia “amparo técnico e
financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo” (BRASIL, 1986) à
iniciativa particular, disposição repetida na Emenda Constitucional 1, de 1969
(Art. 176, § 2°). A CF de 1988 (Art. 213), por sua vez, permite a destinação de
recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que
atendam a uma série de requisitos, cujo cumprimento não é tão difícil (VELLOSO,
1988). No caso de recursos públicos para as IES privadas, o parágrafo 2° do
art. 213 abre uma brecha enorme ao permitir que “As atividades universitárias
de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público”,
contando com um reforço adicional no Art. 61 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, segundo o qual “As entidades educacionais a que
se refere o art. 213, bem como as fundações de ensino e pesquisa cuja criação
tenha sido autorizada por lei, que preencham os requisitos dos incisos I e II
do referido artigo e que, nos últimos três anos, tenham recebido recursos
públicos, poderão continuar a recebê-los, salvo disposição legal em contrário.”
(BRASIL, 1988)
O
favorecimento à iniciativa privada também pode ser encontrado na legislação
ordinária. Segundo Cury (1992, p. 53), o art. 8° do Decreto 7.247, do Império,
permitia subvenção às escolas particulares, desde que não houvesse escolas
públicas por perto. No início do período republicano, o art. 71 do Decreto 981,
de 8/11/1890, permitia a subvenção a “escolas particulares que receberem e
derem instrução gratuitamente a 15 alunos pobres, pelo menos” (CURY, 1992, p.
53). A concessão de subvenções continuou numa série de outros dispositivos
legais no século XX. Em 1931, foram oferecidas pelo Decreto-Lei
O
privatismo não se limitou ao plano legal, pois as subvenções foram freqüentemente
alvo de intermediação de políticos e campo fértil para o clientelismo e
corrupção, a ponto de o CNSS (Conselho Nacional de Serviço Social, órgão do MEC
que concedia o registro e certificado a entidades de assistência social) ter
tido como conselheiro, de
Ao que parece, o CNAS não
foi purgado dos pecados privatistas do antigo CNSS, conforme mostra Josias de
Souza em matéria sobre a concessão do certificado de filantropia à PUC-MG
(“Asmodeu livra universidade católica do pecado filantrópico”, FSP, 17/2/02). Mesmo tendo o seu pedido de renovação do
certificado indeferido pela equipe técnica do CNAS em novembro de 1998, por não
aplicar os 20% da receita em gratuidades, a PUC-MG (com receita de R$ 34,5
milhões em 1994, R$ 66,4 milhões em 1995, e R$ 103,3 milhões em 1996) recebeu
uma atenção especial do presidente do CNAS para tentar, mais uma vez,
demonstrar contabilmente que cumprira essa exigência e merecia o certificado, o
que acabou conseguindo, talvez também pelo fato de Roberto Brant, ministro da
Previdência, ser “um declarado simpatizante da PUC”.
Além das subvenções
(dinheiro a fundo perdido), as escolas privadas
se beneficiaram legalmente de bolsas de estudo ou financiamento. A
primeira LDB (Lei 4.024), de 1961, autorizava a concessão de bolsas de estudo
em estabelecimentos de ensino reconhecido, escolhidos pelo candidato ou seu
representante legal (Art. 94, § 1°) e o financiamento a estabelecimentos
particulares (Art. 95, alínea c). A Lei 5.692, de 1971, repetindo as
disposições da Constituição de 1967, previa o amparo técnico e financeiro do
Poder Público às instituições de ensino particulares (Art. 45). A LDB de 1996
(Lei 9.394) reproduz as mesmas permissões de recursos públicos para as
instituições privadas contidas na CF de 1988. Um exemplo recente de apoio
estatal às IES privadas é a portaria 44 da Capes, de 13/7/98, que prevê o
pagamento das taxas escolares de pós-graduandos bolsistas da Capes nelas
matriculados. Ou seja, além de oferecer bolsas, a Capes arca com todos os
encargos educacionais (mensalidades, taxas). Embora não tenhamos informações
sobre o montante de bolsas a pós-graduandos e professores das IES privadas, bem
como dos auxílios financeiros a eles concedidos para pesquisas e atividades
outras, ele deve alcançar algumas dezenas ou, provavelmente, centenas de
milhões de reais (considerando-se todas as instituições estatais de fomento à
pesquisa, como Capes, CNPq e fundações estaduais de amparo à pesquisa, como a
Fapesp (São Paulo), Faperj (Rio de Janeiro), Fapemig (Minas Gerais) e outras).
Um outro mecanismo legal privatizante foi o salário-educação,
contribuição social que, embora criada em 1964 para financiar o então ensino
primário público, serviu para sustentar as escolas privadas, ao permitir que as
empresas, em vez de fazerem o seu recolhimento aos cofres públicos, montassem
escolas para seus funcionários e dependentes (o Bradesco e algumas grandes
empresas aproveitaram esta brecha legal) ou comprassem vagas nas escolas
particulares para seus funcionários e dependentes, inicialmente no ensino
primário, depois no 1° Grau (a partir de 1971). Esta isenção foi aproveitada
intensamente pelas empresas privadas a ponto de em 1984 cerca de 50% das
matrículas no ensino fundamental da rede particular do Brasil serem financiadas
pelos recursos do salário-educação (VELLOSO, 1987). Como previsto, esta privatização legal dos
recursos públicos (incorporada inclusive na CF de 1988) foi acompanhada de
pirataria (“a privatização ilegal”), com a pilhagem do dinheiro público por
meio das fraudes. Segundo MELCHIOR (1987, p. 22), com base em estudo interno do
FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), as fraudes mais comuns
eram: “(a) as escolas recebiam as bolsas do salário-educação e, além disso,
cobravam dos alunos a diferença que existia para integralizar as mensalidades;
(b) as escolas recebiam bolsas do salário-educação e apresentavam uma relação
de alunos bolsistas “fantasma”, isto é, eles não existiam; (c) as escolas
recebiam mais bolsas de estudo do que sua capacidade de matrícula.” Outras
fraudes foram a concessão de bolsas em escolas que só existiam no papel e o
fornecimento, pelas escolas, de recibos de valor maior do que a quantia
efetivamente paga pelas empresas devedoras do salário-educação. Conforme mostra
Velloso: “A diferença entre o valor do recibo e a quantia paga ía engordar o
lucro da firma ou a carteira de seus dirigentes” (1987, p. 5).
Embora a EC 14, de setembro de 1996,
tenha decretado o fim dessa privatização legal, essa proibição só valeria para
alunos ingressantes, não para os que já eram financiados com o salário-educação
em escolas privadas até 1996, que poderão continuar contando com tais recursos
até a conclusão do ensino fundamental, presumivelmente até 2003, quando os que
ingressaram em 1996 terão concluído o ensino fundamental.
Auxílios financeiros
outros foram canalizados para as IES privadas. Segundo Tramontin e Braga
(1988), o Plano de Metas do governo federal para 1986-89 previa “apoiar em até
30% dos respectivos orçamentos 20 universidades comunitárias”, que, a partir de
1988, “passam novamente a ter em seus orçamentos receitas substantivas e
sistemáticas da União.” (p. 34). Segundo Miranda (1989), 8,8% dos recursos do
Programa Nova Universidade, de 1985/86, do governo federal, teriam sido
destinados às IES privadas na fase zero e 14,7% na primeira fase.
Empréstimos
de dinheiro público a juros bastante favoráveis (que nenhum cidadão comum
consegue em banco comercial) têm sido outra fonte das IES privadas. Em 1997, o
MEC e o BNDES firmaram acordo para a abertura de linha de crédito para o
Programa de Recuperação e Ampliação dos Meios Físicos das IES públicas e
privadas (“MEC e BNDES darão crédito para universidades”, O Globo, 13/6/97). Com dotação inicial de R$ 500 milhões, o
programa já teria, em novembro de 2000, aprovado 63 projetos de IES privadas
(no valor total de R$ 433 milhões) e 22 de IES públicas (no total de R$ 252
milhões), segundo o boletim eletrônico (ano I, n. 3) disponível na página
eletrônica (site) do MEC.
Outro
instrumento legal de canalização de recursos públicos para as IES privadas foi
o crédito educativo (Creduc), cuja importância financeira e política pode ser
avaliada pela existência, em 1997, de uma Frente Parlamentar do Crédito
Educativo, conforme o artigo “Novos horizontes para o crédito educativo”, de
Paulo Bornhausen, deputado federal pelo PFL de Santa Catarina (O Globo, 7/5/97). Criado pelo governo
militar em 1975, o Creduc consistiu num empréstimo para o pagamento de
mensalidades e manutenção de estudantes supostamente carentes matriculados em
IES privadas. Financiado com recursos públicos, o programa, embora justificado
como auxílio aos estudantes pobres, serviu para subsidiar as privadas que, sem
o programa, perderiam uma parcela de sua clientela. Além de subsidiar
instituições particulares, o programa trouxe grandes prejuízos aos cofres
públicos, pois uma grande proporção dos empréstimos não foi paga pelos
estudantes após a conclusão do curso (SCHWARTZMAN, 1995). Considerando-se os 24
anos de vigência do Creduc (
Em 1999, o Creduc foi
substituído pelo FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior),
através da MP 1827, em 27/5/99, reeditada 25 vezes até se transformar na Lei
10.260, em 12/7/2001. Até 2001, centenas de milhões de reais foram canalizados para
as IES privadas, segundo os relatórios de gestão do FIES (BRASIL. MEC, 2003).
Em 2000, as mantenedoras teriam recebido R$ 415 milhões, dos quais R$ 310
milhões teriam sido recolhidos ao INSS. Em 2001, o total repassado chegou a R$
431,7 milhões, dos quais R$ 369 milhões recolhidos ao INSS. Até 2001, o número
de estudantes beneficiados teria alcançado 151.225.
O curioso sobre o Creduc e
o Fies é entidades e partidos com discurso de defesa do ensino público
defenderem tais programas com o argumento de que estudantes carentes devem ser
ajudados porque são forçados a estudar em escola particular pela omissão do
governo. É o que fez Ricardo Cappelli, presidente da UNE (União Nacional dos
Estudantes) na época e estudante de Informática da Universidade privada Estácio
de Sá, do Rio de Janeiro (“Crédito educativo já”, O Globo, 11/9/98). “Estudar numa escola privada hoje não é opção,
mas sim imposição. De todas as vagas universitárias abertas, apenas 1/3 é
oferecido pela rede pública e 2/3 pela particular. É uma realidade cruel, pois
a imensa maioria dos jovens, não tendo como pagar as altas mensalidades, acaba
sendo automaticamente excluída da rede privada, enquanto 1/3 restante deles
sofre para ingressar no ensino superior gratuito, disputando com 30 e até 40 estudantes
cada uma das vagas oferecidas. É por isso que defendemos o crédito educativo.
Não vemos nele a solução para o problema, mas uma forma de atenuar a distorção
existente.”
Este apoio da UNE foi
manifestado em outra ocasião, pelo secretário-geral da Executiva da UNE,
Sósthenes Macedo, em entrevista concedida ao Jornal da Abruc (p. 3, n. 11, de
nov./dez. 99): “Estamos também brigando por maiores verbas para o FIES, antigo
CREDUC, na tentativa de garantir ao aluno carente o acesso à educação. Para a UNE,
qualquer ajuda no sentido de se preservar a filantropia para as “verdadeiras
instituições filantrópicas” e o incentivo ao aperfeiçoamento do programa FIES é
de grande valia.”
Aparentemente
o FIES foi criado para compensar a perda do privilégio da isenção
previdenciária das filantrópicas, segundo avaliação do deputado federal Padre
Roque (PT-PR), para quem “O novo crédito educativo foi um cala boca para as
escolas que perderam a isenção da filantropia” (“Oposição abre guerra contra a
MP do novo crédito educativo”, O Globo,
4/6/99), avaliação confirmada pelo próprio ministro Paulo Renato, que, segundo
o Jornal das Comunitárias, (“Ministro
e reitores discutem o novo Crédito Educativo - FIES, p. 3, n. 9, julho/agosto
99)”, teria declarado, na apresentação do FIES na Câmara dos Deputados, que o
FIES iria “suprir a lacuna deixada pela nova Lei que acaba com a filantropia”.
A
Lei do FIES previa o financiamento de até 70% dos encargos educacionais de
estudantes em cursos de IES não-gratuitas com avaliação positiva pelo MEC,
recebendo as IES títulos da dívida pública utilizáveis no pagamento de
obrigações previdenciárias junto ao INSS ou negociáveis com outras pessoas
jurídicas, alternativa essa que representou uma concessão do governo às
pressões das IES que reclamavam de possuir títulos em montante superior às suas
obrigações previdenciárias, pois na redação da MP original, a 1827, tais
títulos só podiam ser utilizados para quitar essas obrigações. A entrevista com
Cleo Ortigara, reitor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões (URI), vice-presidente da ABRUC e presidente do Consórcio das
Universidades Comunitárias Gaúchas, mostra a importância dessa concessão pelo
governo: “A URI tem 1.160 alunos com contratos junto ao FIES. Isso representa
cerca de R$ 230 mil mensais que recebemos em títulos da dívida pública. Estes
títulos só podem ser utilizados para o débito mensal junto ao INSS. Acontece,
porém, que este débito não chega a R$ 100 mil. Logo, a universidade engaveta R$
130 mil por mês, em papéis sem mais nenhuma utilidade. Ora, esta é uma situação
insustentável. A URI não tem gordura para renunciar às mensalidades de 1.160
alunos que estão no FIES, 945 que estão no CREDUC e tantos outros no Procred
(Programa Estadual de Crédito Educativo)” (“Universidades pedem solução urgente
para forma de pagamento do FIES”, Jornal
das Comunitárias, n. 13, abril/maio 2000).
Este acúmulo de títulos de
dívida pública foi uma das razões para as universidades comunitárias ameaçarem
sair do FIES, assim como a inclusão, numa das medidas provisórias do FIES, de
artigo impedindo as IES de resgatar os títulos por dinheiro se tivessem
processos judiciais contra o INSS ou o FIES (“Universidades ameaçam crédito
educativo - Instituições comunitárias e católicas se reunirão para decidir se
aceitam novos alunos financiados pelo governo”, O Globo, 8/11/00). Embora constasse da Lei do FIES, o artigo foi
suspenso por medida liminar do STF (O
Globo, 2/2/02) na ADIN 2545-7, movida pela Confenen. Outra concessão do
governo foi a diminuição de 10% para 5% no risco do montante financiado ao
estudante, o que significa que, no caso de inadimplência, a IES arcaria com 5%
da dívida. Apesar das críticas ao FIES e ameaças das comunitárias de não
aceitarem novos estudantes pelo FIES, parece-nos que ele, assim como o crédito
educativo no passado, é um complemento nada desprezível às receitas das IES
privadas.
5- Conclusões
Os
elementos acima permitem as seguintes conclusões. Uma é que as escolas privadas
(sobretudo as IES) se expandiram e se expandem não só porque existe uma demanda
pelo ensino superior, mas também e sobretudo porque os governos não têm
procurado atender toda a demanda, desviando-a para as IES privadas. O apoio
oficial às escolas privadas tem se concretizado não só por essa omissão, como
também pelo financiamento público direto e indireto a elas, com a isenção de
impostos, da contribuição previdenciária e do salário-educação, e a concessão
de subvenções, bolsas de estudo, empréstimos subsidiados, crédito educativo, FIES
ao longo das últimas décadas. Sem este financiamento público (que deve ter
totalizado e ainda totalizar alguns bilhões de reais por ano), as escolas
privadas certamente não teriam se expandido tanto, pois as suas mensalidades
teriam que ser muito maiores do que são, afastando assim a demanda de
estudantes sem condições de pagar. A omissão do Estado e o financiamento
público às escolas privadas têm sido, assim, duas das mais importantes medidas
de privatização da educação, sobretudo do ensino superior.
Aparentemente, se um dos
objetivos declarados do governo federal foi o empresariamento do ensino, no
sentido de tratar as instituições de ensino privadas como empresas com fins
lucrativos, que não merecem privilégios fiscais, ele não foi bem sucedido, pois
as isenções e imunidades continuam até hoje, se não para todas, pelo menos para
uma proporção significativa. Essa dificuldade se deve ao fato de o próprio
governo depender de uma aliança de forças com apoio nos privatistas da educação
e também ao fato de os órgãos do Estado (STF, MPAS) estarem contaminados por
tais interesses privatistas.
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* Versão modificada do artigo publicado originalmente em Universidade e Sociedade n. 27, jun.
2002 e também no livro O empresariamento
da educação: novos contornos da educação superior no Brasil dos anos 1990,
organizado por Lúcia Neves e editado pela Xamã em 2002.